Não entrarei no mérito das cantatas ou concertos musicais em si. Este é um assunto
para outro momento. Apesar de que aprecio muitas obras musicais feitas com seriedade,
conteúdo bíblico e com qualidade artística. A expressão cultural e artística faz
parte das coisas boas que Deus nos deu para a Sua própria
glória e para o nosso deleite pessoal.
Mas em relação ao culto, por favor, é
de extrema importância que você entenda algo muito simples. Cantata não é culto
solene. Não confunda as duas coisas. São duas atividades diferentes com propósitos
diferentes. E vou dar as devidas razões aqui no presente artigo.
Inicialmente vamos a definição de
cantata. Ao contrário do que muitos pensam, cantata não é um gênero novo no
mercado da música. As cantatas têm sua ascensão no período barroco (século XVI)
com Johan Sebastian Bach. Provavelmente ele tenha composto mais de duzentas cantatas
ao longo de sua carreira.
As cantatas originalmente tinham o
propósito de contarem uma história de cunho bíblico ou religioso como por
exemplo a 32ª cantata, ou, conhecida como BWV 147ª intitulada “Herz und Mund und Tat und Leben” (Corações
e boca, ações e vida) dividida em dez movimentos, ou seja, cada movimento era
uma cena ou um capítulo desta história. As mesmas eram compostas para pequenos
coros e uma pequena orquestra de câmara (com 2 violinos, 2 violas, 2 cellos, 1
baixo, 2 oboés, 2 flautas, as vezes, 1 trompete 1 trompa, orgão e 1 cravo).
A partir
do período romântico (seculo XIX e inicio do séc. XX), agora usando grandes orquestras e coros, os compositores passaram
a usar este mesmo gênero para compor sinfonias e óperas com conteúdo profano, irreverente e satirizado como é o caso da famosa e intrigante peça “Carmina Burana” (Canções de Beuern ou de Benediktbeuern), musicalizado por Carl Orff em 1936 sendo esta um conjunto de poemas dramatizados dividindo-se em 5 grandes temas – cantos satírico moral; cantos de primavera e de amor; cantos orgiásticos e festivo, Carmina a divina; cantos moralístico sacro e por fim, Ludi jogos religiosos.
Ao longo dos anos, as cantatas deixam de ter sua conotação sacra se transformando em grandes novelas musicalizadas, em grandes espetáculos com temas totalmente secularizados e de cunho inteiramente comercial. Diga-se de passagem, as cantatas ou musicais evangélicos tiveram uma grande influência deste gênero agora pós modernizado.
Estes musicais passam a utilizar os mesmos recursos técnicos, os mesmos estilos e referências na construção dos textos, a métrica, melodias, estrutura harmônica, os mesmos estilos musicais aplicados nos grandes espetáculos do mundo a fora sendo necessário que os seus cantores realizem performances com a gesticulação de sua face, as vezes até mesmo coreografias sincronizadas com a dinâmica e o conteúdo da canção. Na verdade, os grandes musicais teatralizados do mundo contemporâneo que são hoje reproduzidos com objetivos comerciais são uma reprodução clara das clássicas óperas e musicais antigos de tabernas como dos grandes cabarés dos séculos passados. Em nada tem a ver com as cantatas originais de J. Sebastian Bach.
Sendo
assim, já deu para perceber que não cabe a ideia de se produzir uma cantata em
um culto solene e muito menos afirmar que cantata é um tipo de culto solene. O propósito
da cantata é inteiramente o concerto, o entretenimento, a diversão ao público. O culto
solene em uma perspectiva bíblica não tem o objetivo de entreter pessoas, mas,
é um momento estritamente solene, reverente, um ato de adoração pública de
forma Teocêntrica (adoração somente ao Deus Trino).
Ao contrário do que se propõe em uma dramatização musical, o culto deve ter o seu caráter solene, autoritativo, religioso, didático, simples e objetivo. Não há espaço no culto para
concertos, shows, apresentações, solos individuais e com destaques a voz ou a
instrumentos. Os cânticos e hinos devem ser apenas cantados por toda a congregação.
E mais, devem apenas cantar o que está nas Escrituras. Isto caracteriza um culto
a Deus conforme a Palavra de Deus.
Há de se lembrar que cada parte do culto e a
suas atividades na adoração a Deus são determinadas nas Escrituras. Os
reformadores chamavam isto de Principio Regulador do Culto, ou seja, Como a
Escritura nos diz o lugar (um local apropriado), o momento (O dia do Senhor – o
domingo), a ordem (que chamamos de liturgia) e as atividades (que são os
elementos de culto)? Se a Bíblia não menciona qualquer outra atividade ou
ordem, significa que aquilo não faz parte do culto solene a Deus.
Por exemplo,
o que se deve fazer no culto. A Bíblia só menciona de forma clara e objetiva os
seguintes elementos: 1) leitura pública da Palavra; 2) orações proferidas; 3)
orações cantadas (a musica); 4) a pregação da Palavra; 5) a ministração dos
sacramentos e, 6) o ofertório. Estes são os elementos da culto. Não há danças, não se menciona
dramatização ou o teatro, a Bíblia não fala de apresentações ou concertos
musicais, não fala de jograis, declamação de poesias, e, muito menos de
cantatas.
É
bom que se lembre. Progressivamente a ideia de um
culto solene, simples, reverente, limitado apenas ao que a Escritura ordena
está sendo mudado na mente desta atual geração "evangélica". Estamos perdendo
a noção de limites em relação ao uso da música no culto. Os cristãos de hoje,
seja por ignorância intelectual, cultural e bíblica não conseguem distinguir
quando a música deixa de ser uma expressão artística e se torna um elemento de
culto apenas a serviço da adoração pública a Deus.
A exemplo disto, em dezembro
de 2015 a famosa igreja Hillsong (de Londres) reproduziu um musical de natal
intitulado “This is Christmas! (Isto é natal). A primeira vista estava certo
que era um número da Broadway tamanha era a sensualidade e o erotismo na
performance dos músicos dançarinos e os cantores especialmente na música “SilentNight”.
Há muito tempo venho dizendo que a Hillsong como outras (nem
todas) megas igrejas são um modelo de "igreja emergente", ou seja,
uma "igreja" que deseja se ver livre de rótulos teológicos,
litúrgicos e denominacionais. Claramente um modelo que propõe uma estrutura
relativista e que estimula uma mentalidade pluralista.
A crise da
falta de crescimento numérico de muitas de nossas congregações locais tem feito
com que bajulemos esse tipo de modelo contemporâneo de “adoração”. Um modelo
que corrompe os princípios bíblicos de como Deus quer ser cultuado.
Vamos nos atentar para o grande perigo que corremos
quando profanamos aquilo que deve ser tratado com muita seriedade, entendimento
e piedade. Receio que pulamos de cabeça no movimento de adoração contemporânea
como que meninos desavisados e eufóricos. Só esqueceram que este movimento é
como um rio turvo. Um rio muito escuro e perigoso. Ninguém sabe o que há no
fundo deste rio. Igrejas que estão pulando nestas águas turvas estão cometendo
suicídio espiritual.